sábado, 27 de janeiro de 2024

Corpos precarizados

Manoel de Barros certa vez escreveu: "uso as palavras para compor meus silêncios". Essa pequena frase costuma causar tempestades de pensamentos. Esses dias vi que uma novela antiga iria ao ar com nova roupagem, e lembrei de quando adolescente eu vi a primeira versão. Se passaram trinta anos e ela agora vem com a mesma história, e eu me deparo com diálogos profundos e os mais variados tipos de precarização dos corpos humanos, especialmente das mulheres.
Naqueles tempos da primeira novela, a  gente achava charmoso um rapaz tomar um beijo sem autorização da moça, como Zé fez com Santinha. O relato de Morena contando como chegou, e porquê chegou na casa de perdição da Jacutinga e a explicação da dona do estabelecimento para empreender na casa de "acolhimento" e prostituição humanizada. Os maus tratos do pai para proteger a filha de ser abusada pelo patrão. E a vida masculina, fazendo o que bem lhes convém com os corpos desde seu nascimento. Ditando regras, colonizando o pensamento feminino como forma de castração psicológica. A ponto de criar a competição entre mulheres para que elas não possam se unirem, pois se o fizer se tornam uma ameaça pra a masculinidade frágil.
Essas práticas corporais são massacradas por ações rotineiras e exageradas com o controle excessivo, e silêncio sobre a sexualidade. E na busca pela libertação corpórea é no corpo que se imprimi as marcas sociais. Também na TV aberta  por esses dias, um homem com seu abdome globuloso, corpo tatuado, cabelo pintado, unhas com carência de cuidados. Se encontrou no lugar privilegiado de fala de criticar  o corpo esteticamente dentro dos padrões considerados belo de uma mulher, branca, cisgênero e heterossexual em redes sociais.
Fico me perguntando como no século XXI conseguimos chegar a um atraso tão grande? Se passaram três décadas da novela passada para os dias atuais, e as cenas e diálogos perfeitos do autor que tem um trabalho brilhante, ainda são tão atuais? Por que os corpos femininos ainda são tão precarizados?
E nas voltas que o mundo dá, hoje tanto quanto ou mais que ontem, precisamos falar de amor. Precisamos e esperança do verbo esperançar de Paulo Freire. Uma pedagogia emancipatória para a não precarização de nenhum corpo, a valorização das pessoas com dignidade humana e a não violência de qualquer tipo para que possamos Renascer.

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