domingo, 19 de abril de 2020

De repente

No dia 13 de março dei minha última aula, era uma sexta-feira e de repente, assim como cantador de viola, o mundo mudou, parou. Na segunda dia 16 não houve mais aula. O comércio parou, tudo fechou, as pessoas ficaram em casa. Nesses dias de isolamento social percebemos que o mundo que se conhecia caducou como disse Átila. E as mudanças hora sutis, hora impostas e tempestivas, foram muitas.
Hoje a gente se adaptou a dar aulas online, passamos mais tempo juntos, agora temos vídeo chamadas com pessoas distantes (todos os vivas à tecnologia), vimos a chegada de Bernardo, estamos testando novas receitas, pintamos as paredes da casa, escolhemos o livro e o filme da vez, ontem rolou os Stones ao vivo (at home), minha tia de mais de 90 anos agora tem "zap", a gente tem se falado com frequência.
Os livros agora são digitais, aquela mania de cheirar livro novo e pegar no papel ficou pra trás, as receitas com memórias afetivas ganharam a mesa, o tempo com os pets agora são maiores, pra compensar a falta do passeio, as compras vêm direto pra nossa casa, as contas são pagas sem pegar em dinheiro. E foi assim, de repente, como cantador de viola que as mudanças foram impostas.
Nesse meio tempo descobrimos "A vida Secreta das Árvores". Um livro científico, mas muito gostoso de se ler. Nele a gente percebe que o filme Avatar, é uma realidade da floresta. As árvores se protegem, se apaixonam, compartilham alimento, se comunicam e têm memória. Tudo que a gente teorizava, agora com certificado científico. Vale muito a leitura. Eu costumava dizer que o mundo precisava ser (caninizado), ou seja, ser igual aos cães, mas a gente precisa saber mesmo que a nossa essência é o amor a si, e ao próximo, nesse ordem, sem culpa.


Trechinho do livro


Nico e o cajueiro, alegrias de quintal.

Se a gente se portasse como as árvores e se incomodasse uns com os outros como elas fazem. Saberíamos que esse números da pandemia têm nome, sobrenome e família. Saberíamos nos comprometer em proteger o outro, mesmo os desconhecidos, mas todos os seres que respiram, saberíamos nos comunicar com uma linguagem de gentileza. Acredito que esse tal corona, veio para nos (árvorizar), pois precismos ser mais gentis, aprender a dizer o que se pensa com gentileza, respeitar o outro e se comprometer coma  vida. Abraçar mais e, sobretudo, cuidar do ambiente em que a gente vive, pois não adianta ter um discurso bonito e continuar jogando lixo na rua, na praia, continuar ignorando as pessoas ao seu lado, continuar o discurso de ódio que a gente tem visto com tanta frequência.
Não sei vocês que me leem, mas eu tomei um ranço pela camisa da seleção brasileira, que me mantenho a dois metros de distância dela por questão de preservação da minha saúde mental. Ah, Gaia, me perdoe! Ainda estou em processo de arborização. E nas voltas que o mundo dá, o isolamento social tem mostrado a cada um de nós o que precisa ser mudado,e primeira mudança vem de dentro pra fora, pois como dizia Rubem Alves: "Não haverá borboletas se a vida não passar por longas e silenciosas metamorfoses."

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Carpe Diem

Li no livro do universo ás jabuticabas de Rubem Alves:"Carpe Diem" quer dizer "colha a vida". Colha o dia como se fosse um fruto maduro que amanhã estará podre. A vida não pode ser economizada para amanhã. Acontece sempre no presente. Ah, Rubem, nem te conto! Hoje colhi cajus e pitangas, o jasmim amanheceu florido, e temos abelhas no quintal, os passarinhos fazem a festa em plena primavera, achoque era essa a alegria de quintal que você tinha em seu paraíso a fazenda santa Elisa.



O dia deve ser colhido porquê é único e ele escorre pelas mãos como o sumo das frutas escorrem pela boca. Gosto de ler um pouco quando o dia começa, mas Nietzsche estava certo: "De manhã cedo, quando o dia nasce, quando tudo está nascendo —ler um livro é simplesmente algo depravado". Imagina se Nietzsche tivesse um quintal desses, e tivesse de escolher entre as depravadas e escandalosas noticias dos noticiários agora. É lama pra um lado, é óleo pra outro é direitos sendo roubados... A vida tá cheia de vixe, e eita.
E nas voltas que o mundo dá, é preciso desacelerar um pouco, experimentar o que dia tem a oferecer pra poder entender esse mundo doente. Combinamos esse mês de resgatar uma coisa boa por dia, vamos aprender a agradecer, a buscar alguma coisa ou acontecimento que nos ofereça um pouco de felicidade diária, como disse Guimarães: a vida é assim, quer da gente é coragem, e vamos combinar né? Pra ser feliz sem os rótulos que nos impõem é preciso coragem. Feliz primavera.

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Grilo

Na estória do Pinóquio tem um grilo que o orienta como se fosse sua consciência, na de Mulan tem o Gri Lee que também é um guia. Quando meu mais velho era criança ganhou um presente de natal que nem lembramos qual era,mas na embalagem veio um gafanhoto, a gente pressiona ele no chão  logo ele pula sozinho. A decoração do presente se tornou O PRESENTE. Ontem recolhendo brinquedos para doação encontramos o nosso Gri Lee. Todo judiado pela ação do tempo e de tantas brincadeiras.

Gri Lee
Lembramos de tatas risadas que ele nos proporcionou e decidimos que ele ficaria conosco por mais um tempo. Lembrei da vez que nós compramos a sua primeira bicicleta achando que ia fazer sucesso, mas o brinquedo que mais fez sucesso foi um cavalinho de camelô. E nas voltas que o mundo dá, adoro fazer a faxina de primavera, é uma faxina coletiva, onde cada um doa o que não serve mais, joga fora o que não tem concerto. E, sobretudo guarda coisas que para muitos seria sem valor. O Gri Lee é a prova de que o conceito de riqueza varia muito.

terça-feira, 10 de setembro de 2019

Primavera

Deméter é a deusa grega da terra cultivada, da fertilidade e das estações do ano. Filha de Cronos e Reia, é também conhecida como Ceres na mitologia romana e tem seu nome derivado da palavra cereal, referindo-se a todos os tipos de grãos. Por ser neta de Gaia é considerada a reencarnação da mãe terra e cultuada em comunidades rurais antes da chegada do cristianismo. A conexão com Deméter é feita apenas colocando os pés descalços em contato com a terra.
A deusa teve vários filhos, entre eles, Perséfone a deusa da primavera e Despina a do inverno. Hades raptou Perséfone certa vez e a mãe em desespero se retirou do mundo e este entrou em decadência sem grãos, a vida definhava o gado morria. Então Zeus pediu a Hades para libertar sua amada. Ele o fez com uma condição ela deveria comer um bago de romã. Quem comer algo no submundo está condenado a voltar.
Ficou então estabelecido que Perséfone ficaria três meses com a mãe e o resto do ano com Hades. O primeiro período corresponde à primavera, em que os grãos brotam, saindo da terra e o segundo é o da semeadura de outono, quando os grãos são enterrados, da mesma forma que ela volta ao submundo.
Na Grécia antiga havia um festival "Tesmofórias", celebrado anualmente em outubro em honra a Deméter era praticado exclusivamente por mulheres, seguindo-se de três dias de festa pelo retorno de Perséfon do submundo, era oferecido uma bebida sagrada aos iniciados, mas a característica mais marcante desse ritual era a punição aos criminosos que agiam contra as leis sagradas e contra as mulheres.
Enas voltas que o mundo dá,mulheres do mundo uni-vos, precisamos encontrar o nosso elo com o sagrado feminino, colocar o pé literalmente no chão, saber nos defender e buscar nosso objetivos. Sejamos sempre primaveras.

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Oração dos passarinhos

Um dia, Manoel de Barros escreveu que foi programado para gostar de passarinhos.Todos os dias cedo da manhã os passarinhos fazem uma oração aos céus com cantos de todos os tons e assobios se comunicando com o firmamento. Depois que Nico foi embora o hábito de colocar uma frutinha no cajueiro passou a morar em mim. Todavia, os beneficiários agora são os passarinhos que se alimentam e até brigam pelos pedaço de fruta.
Sempre tive o cuidado de ter plantas que produzem diversas cores de flores, mas eles agora estão se diversificando, hoje cedo tinha um cardeal e um pica-pau no meu quintal-aconchego-morada. As gatas ficam ali paradas a observar, os cães já não ficam mais em busca de caçá-los, e o cajueiro está com cinco ninhos chocando ovos. O pé de boldo com suas flores lilás oferecem alimento para os beija-flor, e todos os dias em troca eu recebo uma cantoria diversificada. Acho que é a oração dos passarinhos ao criador.
E nas voltas que o mundo dá, acho que assim como o Manoel de Barros, eu também fui programada para gostar de passarinhos, mesmo quando o dia envelhece e eles buscam abrigo nas árvores para dormir estão cantando em perfeita sinfonia. E assim como Quintana cujo nome lembra a quitanda que tem flores e frutas a venda, a gente segue passarinhando.

Poeminho do Contra
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!
Mário Quintana

quarta-feira, 5 de junho de 2019

Passagem

Conversar com Rau Ferreira é voltar no tempo. Ontem ele me falou de umas pessoas interessantes que viveram na nossa amada terrinha, tinha Honório, Silvinha e Adalto, dois deles gostavam de cantar embolada de coco nas feiras livres da cidade. Não lembro desses, mas lembro muito bem de Adalto, esse para mim era um homem muito alto (eu era menina), ele costumava percorrer as ruas da cidade com a mão na orelha falando sozinho, lembra muito os jovens de hoje com seus celulares.
Ele era irmão de seu Adelino, o homem que fazia os doces mais saborosos da cidade, acredito que Marcos seu filho adotivo ainda os vende na feira livre da cidade, acredito que se George Tsoukalos se o visse diria que ele era uma alma evoluída que tinha encarnado no tempo errado e estaria usando seu Smartfone virtual. O fato é que naquela cidade emblemática haviam personagens maravilhosos, que do seu jeito criou um atmosfera vibrante, com diferenças intelectuais e evolutivas significativas. Não vi os cantadores de coco na feira, mas vi Adalto com seu fone virtual, comi inúmeras vezes o doce de coco caramelado de cor vibrante e que gostava de grudar nos destes e favorecer um festival de sabores no céu da boca.
E nas voltas que o mundo dá, lembranças doces, sem preconceitos sem mágoas e com um doce sabor de coco queimado, são dessas que fazem a gente saber que viver é guardar lembranças agradáveis é um alento nos dias difíceis de hoje, são ritos de passagem para uma vida simples e saborosa. Obrigada pela lembrança Rau.

terça-feira, 13 de novembro de 2018

A capa vermelha

Nos livros de Lobato a Emília tem uma canastra, onde guarda as coisas mais importantes pra ela, para muitos são apenas lixo e porcarias que ela acha por aí. Esse feriado aproveitei pra arrumar umas gavetas e encontrei minha "canastra", entre coelhinhos gastados, sapatinhos furados e fantoches surrados estava ela, a capa vermelha que eu costurei. Lembrei-me que a muito tempo atrás ele queria ser o super homem, não encontramos a fantasia dele em lugar nenhum, mas ele só queria a capa, então eu costurei uma. Pra mim , era só um pedaço de pano vermelho com um cordão pra amarrar no pescoço, mas pra ele era  "a capa".
Fechei meus olhos e lembrei do dia que o vento no quintal não ajudou e tive que ligar o ventilador para que aquela capa preguiçosa pudesse voar. Pra ele era uma segunda roupa, tinha que estar sempre limpa e  seca a sua espera da escola. Foi dormindo com ela que os sonhos ruins deixaram de existir, com essa companheira que agora dorme tranquilamente esquecida numa gaveta de lembranças que os superpoderes da alegria estavam pela casa. Lembrei do dia que a parede estava escrita com uma história que ele me contou, sim, porquê pra entender aqueles "hieroglifos" na parede somente com tradução simultânea.
Na parede da minha memória pude vê-lo correndo pela casa segurando a capa que o protegia de tudo, das dores do mundo, dos "ralamentos" que ardiam no banho e que dava coragem pra pular de um sofá pra outro sem medo de cair. Então fechei a caixa de lembranças, guardei-as para outras ocasiões. Fazer arrumação as vezes toma tempo por causa dessas coisas, organizar guardados é como um máquina do tempo. E assim como a Emília, eu também tenho uma canastra, quem não?
E nas voltas que o mundo dá, ser mãe de menino é saber que o herói está logo ali dormindo no quarto ao lado, que não precisa de capa, que vai ser sempre uma companhia e que eu não estou só. É ter histórias pra contar, e ter um mundo todo azul, ou vermelho como a capa que deu super poderes, assim como a  do Dr. Estranho, Super Homem, Mulher Maravilha, Thor, ou quem sabe de Leônidas, o líder dos espartanos. Todos já tiveram sua capa vermelha.

domingo, 25 de março de 2018

Semeadura

O Paulo Freire afirmou certa vez que: "Ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria". Sempre sabido esse Paulo. Na sexta-feira passada fui a uma festa tipicamente cigana, logo eu a antissocial que tem restrições alimentares agora, mas que fique claro não tenho restrições emocionais. Se tivesse tava ferrada. No evento lindo e cheio de belezas das quais eu desconhecia, dois jovens me procuram, sabia que os conhecia, mas não lembrava os seus nomes. Eram Jonatan e Vando, o primeiro agora docente de Educação Física e mestre caminhando pra um doutorando, o outro, um dos escultores mais importantes da cidade, ambos foram meus alunos do ensino médio.
Ao encontra-los ouço histórias das suas percepções a meu respeito, lembraram até os dias que levei o Pedro pra sala de aula por não ter com quem deixá-lo e não queria perder a aula. Me contaram das mudanças em suas vidas e o mais gratificante, eu fui importante para a sua formação (joguei confete e serpentina em mim agora), desculpa aí tá, mas eles me fizeram sentir que a semeadura deu uma excelente colheita.


Jonatan Silva

O Rubem Alves, outro menino sabido, disse certa vez que: "Quem experimenta a beleza está em comunhão com o sagrado". Ah, Rubem, meu querido, experimentei a beleza de ver que meus amados alunos se tornaram grandes, seguiram seus caminhos e agora saem por aí multiplicando conhecimento, semeando novas bonitezas pelo mundo a fora. E nas voltas que o mundo dá, a vida não deve ser economizada e quem não tem jardim por dentro não pode ser jardim por fora. Adorei te encontrar Jonatan e Vando.

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Sabido, sábado, sabático

A pedagogia histórico crítica é um método pedagógico que favorece a aprendizagem a partir da problematização, é uma forma dialética de se trabalhar conteúdos. Saviani defende essa forma como sendo revolucionária e eficiente. Paulo Freire disse que a procura é o primeiro passo para a aprendizagem, pois não se pode aprender sem a curiosidade e o prazer da leitura. na Idade Média alguns pesquisadores tiravam um tempo para viajar, conhecer o mundo e registrar suas aventuras em livros didáticos, eram considerados anos sabáticos, sem o compromisso com nada se não pela descoberta das coisas.
No meu tempo de colégio não lembro de ter sábados letivos como ultimamente, mas tive um professor que via o mundo meio como Saviani e Freire, ele buscava instigar nos alunos o prazer de aprender, descobrir os conteúdos brincando. Em suas aulas as vezes organizava dinâmicas como uma sabatina. Era o melhor do dia, de uma lado ficavam as meninas, do outro os meninos e o professor Zezé no meio da sala orquestrando as perguntas, cada acerto era uma festa.
Daquela turma, mantenho amizades ainda com um tanto de gente, e a agora a pouco dias soube que um daqueles sabatinados, hoje é um menino sabido que foi eleito para a Academia de Letras de Campina Grande, lá na terrinha e vai ocupar a cadeira cujo patrono é outro esperancense, o poeta Silvino Olavo. Eita, Rau Ferreira, parabéns, manda ver.
E nas voltas que o mundo dá, tivemos sorte em ter pessoas tão talentosas como Zezé que nem sei se ainda vive, assim como outros professores que já praticavam a pedagogia da autonomia, da afetividade e histórico-crítica sem nem mesmo essas terem sido desenvolvida e disseminada. Eram dias sabáticos, mas não eram sábados, porém, todos sabidos.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Terminal

O passarinho estava ali,
sob a mesa há pouco desocupada
por um casal desencontrado.

Ele ciscava o chão
e comia passados.

Fagulhas de pão, fragmentos de sonho,
restolhos de dor,
partículas pequeninas de esperança.

Seu interior é uma mistura minha
do não sabido e do inventado
no ardor e no alívio
do sereno sacrifício do amar.

E quando ele voa
para as bandas de outros tempos
também ele sangra em meu pensamento.

E nem se sabe flagrado e findo
nas telas tênues do vento.

Nara Rúbia Ribeiro