sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Prazer

Hoje li numa parede qualquer da cidade a frase: "O prazer não se repete, ele é único". Lembrei de umas falas do Ruben Alves que dizia que o prazer é único, mas a alegria é aquele que existe só pela lembrança. E nos meus devaneios percebi a profundidade  dessas palavras. Desde cedo nós mulheres somos podadas do prazer. Crescemos ouvindo frases como: "não toque aí", "cruze as pernas", "não se toque", isso pra não comentar as outras podas. O prazer gastronômico também é privado para as meninas desde cedo, aprendem que não se deve comer muito, pois a sociedade aceita melhor as magras. Deveria ser proibido proibir as pessoas de serem felizes e terem prazer, pois a alegria só existe depois dele.
Muitos acreditam que a busca pela alegria é o mais importante, mas a alegria vem da lembrança, o prazer vem do ato em si. Me alegro sempre que abro uma caixa de chocolate, pois me lembra o prazer de comê-los nas manhãs de natal (uma contraversão comer chocolate pela manhã), sinto alegria quando como uma pamonha cozida na palha (era assim que mãe fazia), sinto alegria em lembrar dos beijos de outrora, dos abraços que me foram dados. A alegria é o que a gente busca de verdade, pois ela fica na memória que guarda tudo que é interessante e que fez bem e se repete, outra e outra vez.
Essa semana choveu forte por aqui, e aproveitando minha folga do trabalho tomei um banho de chuva, enquanto chuva caia e exalava o cheiro de terra molhada, os trovões ressoavam como em um balé, as plantas dançavam ao ritmo do vento. Um prazer novo pra lembrar sempre que quiser, lembrando os banhos de chuva no quintal da casa materna, recordei quanto é bom viver e compartilhar as emoções dessa vida.
E nas voltas que o mundo dá, ser feliz é um ato de rebeldia e coragem. Não é por causa de um banho de chuva que vou adoecer, nem um chocolate no meio da manhã que causará diabetes, ou sentar do jeito que eu quiser que me tornará menos mulher. E sigo sendo atrevida, tomando banhos de chuva, mangueira, mar, cachoeira e até de pipoca se eu quiser. Me toco, me conheço, me reconheço, danço pela casa e canto desafinado, desafiando o tempo e irritando a tristeza. Por que a lembrança eu posso acessar quando quiser, mas antes é meu direito criar novas memórias.