segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Semear

Durante muito tempo ouvi a frase "E o semeador saiu a semear", sempre achei que o semeador sabia o que estava semeando. Uns anos atrás conhecemos o Padre Edilberto, que tinha um pedaço chão herdado da família e queria fazer uso da terra pra ajudar pessoas. Paulo e Roberto, assim como Eduardo e Aderbal se juntaram ao padre para auxiliar contribuindo com conhecimento. Agora, vinte anos depois, recebemos um convite do padre para conhecer sua fazenda a COTEFAVE, uma pedaço de chão lindamente reflorestado com capacidade para cuidar de mais de cem dependentes químicos de uma vez e escolarização dos mesmos.
Não há nenhuma tranca, nenhuma tramela e nenhuma grade. A liberdade de ficar se quiser e de ir quando achar que deve, é o primeiro passo para essas pessoas que são amadas, respeitadas, escolarizadas, no ambiente saudável e lindamente arborizado da fazenda. A visita de ontem foi um dia de encontro. Encontro de almas como os demeias colegas de profissão que se uniram a causa do padre. Esse homem que é um ser de luz, é um semeador de esperança.

Padre Edilberto e Paulo

O Padre, Paulo e Roberto

Lindezas pelo caminho

Paulo, Eduardo, Aderbal e Roberto.


Eu e Neto

Tive a honra de conhecer melhor esse agroecologista, humanista, e pessoa iluminada. Assim como o efeito multiplicador de suas ações. E nas voltas que o mundo dá, o padre é  semeador que saiu a semear a semente do amor e de fraternidade, mas suas sementes dão frutos todos os dias, e ele já nem sabe quantas almas ajudou, além daquelas que por lá passaram um tempo. Voltei da visita de coração quentinho, barriga cheia e alma lavada.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Afeto e fome

Adélia Prado um dia escreveu: "Não quero faca, nem queijo, quero a fome". A palavra afeto vem do latim "Afettare" que quer dizer "ir atrás". Então afeto e fome são semelhantes, pois os dois são a vontade de ir em busca de algo. Não adianta ter a faca e o queijo sem o desejo de comer, sem a fome para saciar. Não adianta ter pra onde ir sem ter vontade de chegar lá. Hoje o dia amanheceu frio, mesmo sendo primavera, chovendo fino e a vontade que tinha era de ficar mais um pouco ali na cama entre os lençóis quentes. Depois de um café forte e quente, resolvi cuidar do meu jardim.
Lembrei dos dias sem sol em que você cuidava do jardim, dizia que a terra estava mais fácil de manejar, pois estava úmida, e cheirava o ar como se tivesse um perfume diferente, esperando que o sol ao chegar trouxesse as flores primaveris. Nesses dias tinha bolo quente no final da tarde. Já fazem anos que você partiu, mas esse cheiro de perfume no ar úmido, e a terra que a gente mexe com mais facilidade depois da chuva, são receitas sua, não se aprende em escola de agronomia.
Hoje resolvi fazer um bolo de chocolate pra ser servido com calda quente de laranja com canela e saboreada juntos no café da tarde. E assim poder celebrar a sua memória. E nas voltas que o mundo dá, a minha fome é de construir memórias afetivas nas pessoas que amo, com sabores e cheiros para serem lembrados com alegrias e nunca com outro sentimento que não seja bom, e fazer o sorriso escorrer pelo canto da boca quando sentir o cheiro ou sabor de uma lembrança afetuosa. Saudade de você mãe.

terça-feira, 2 de novembro de 2021

A vassoura

A casa dela era simples, a porta de entrada tinha duas partes, a superior só fechava no fim do dia, a parte inferior servia de suporte para abrigar os braços cansados quando parava pra ver o rua ou conversar com uma amiga próxima. O chão parecia um uma goiabada de tão vermelho, salpicada de círculos de luz que vinha das frestas do telhado de argila vermelha. A cozinha era o melhor lugar da casa, sempre com o fogo de lenha cedinho acesso de onde emergia o aroma do café torrado com rapadura e pilado no pilão de madeira. A lata de biscoite sempre tinha uma bolacha de canela pra servir aos netos que a visitavam.
A cadeira de madeira e palhinha era o trono, lá ela tercia lentamente seu crochê branco como quem terce detalhes de vida, memórias guardadas e orações que professava. O seu quintal era de terra, tinha plantas e temperos que perfumavam o ambiente. No final da tarde, a vassoura feita de ramos de alecrim, manjericão e mastruz amarrados com agave no cabo de madeira era o seu material para limpar o quintal, esse previamente salpicado de gotas de água para minimizar a poeira.
Enquanto ela limpava seu quintal e entoava cantos de sua infância, com quem acariciava a terra terra com sua vassoura , o cheiro de terra molhada se misturava com o das ervas que pertenciam a vassoura em um ritual que dava gosto de ver. Enquanto saboreava uma bolacha de canela, eu ouvia atentamente seus ensinamentos. Ela dizia: "Varrer é uma libertação". "É varrendo que se joga fora o lixo da vida e se agradece pelo que tem."
E nas voltas que o mundo dá, varrendo a casa ou o terreiro de terra  a gente bota as ideias em dia, se tiver triste, varra a tristeza, não para debaixo do tapete da alma, mas para fora. Se tiver com baixa autoestima varra pra fora com um  batom vermelho e cabelo hidratado, varra as auguras da vida com uma vassoura imaginária de um passeio no mato ou no mar. Tenha sempre uma vassoura, seja de ervas, de pelos sintéticos, seja imaginária, mas tenha uma vassoura e varra. Não é atoa que a vassoura é o símbolo das mulheres livres.

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Lado a lado

Quando Ulisses foi obrigado a ir pra guerra de Tróia, lá passou 10 anos e outros 17 em alto mar, lutando contra os caprichos de Poseidon, mas durante todo esse tempo, Penélope o aguardava e com astúcia desviava os pretendentes até a chegada de seu amado para retomar o seu trono, transformado em mendigo, somente seu fiel cão  e sua esposa os reconheceram. Sebastião Salgado, foi obrigado a sair do Brasil por pressões da ditadura, refugiou-se na França. Deixou sua esposa Lélia em Paris e percorreu o mundo em campos de refugiados, em garimpos, em florestas, e fotografou a miserabilidade da ganância humana. Durante sua jornada do herói, tanto Ulisses, quando Sebastião tiveram suas memórias, lugar de pertencimento e acolhimento protegidos e preservados por suas companheiras.
Há um provérbio Ute que diz: "Não ande atrás de mim, posso não saber liderar. Não ande na minha frente, talvez eu não queira segui-lo. Ande do meu lado para podermos caminhar juntos." O sucesso de todos os relacionamentos está baseado na parceria, no compromisso primeiro consigo, depois com o outro. Não se pode colocar no outro a responsabilidade da felicidade. Cada um é responsável pela sua. E nas voltas que o mundo dá, não importa é a certeza de ter sempre alguém pra segurar a mão quando precisar.


quinta-feira, 1 de abril de 2021

Pseudoconcreticidade

Tem gente que vive num mundo que parece não fazer parte da realidade que se vive, defendem um sistema ditatorial com se fosse uma revolução, não levam em consideração as dores que povo passou e ainda passa, negam uma doença que mata milhares de pessoas todos os dias, pedem a privatização de programas de saúde, dos mesmos que se valem pra ter saúde. Do outro lado tem as pessoas gratiluz, que acham o lado bom de tudo na vida, que defendem a resiliência e a compreensão, que acreditam em felicidade plena e ficam feliz por coisas pequenas. Essas pessoas vivem no mundo da pseudoconcreticidade conceito desenvolvido por Karel Kosik quando estudou os fenômenos sociais, ele defende que o homem é capaz de criar suas próprias representações das coisas.
Não vou dizer que tenho apreciado o ódio que tem sido destilado nos últimos meses contra tudo e contra todos, mas também não entendendo esse povo que consegue se alegrar com a situação geral do país, seja sanitária, econômica, politica, social. Tá tudo um caos. Não consigo sorrir sem sentir um dedinho de tristeza com tanta gente passando fome. Gente morrendo, rostos conhecidos, nomes conhecidos. E ao mesmo tempo, gente conhecida, rostos conhecidos, desafazendo da miserabilidade humana que se instalou no país.
Esses dias um policial surtou no farol da Barra em Salvador, e se tornou alvo de politicagem, criticas e nem a turma do "gratiluz" se manifestou como forma de minimizar as polêmicas. Vivemos dias sombrios, chegamos ao nosso limite e temos ainda que seguir em frente, com pessoas que negam a ciência, mas não conseguem viver sem ela. E nas voltas que o mundo dá já dizia Kosik "sob o mundo da aparência se desvenda o mundo real, por trás da aparência externa se desvenda a lei do fenômeno".