terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Alegrias

Uma vez em uma viagem no café da manhã eu comia um pedaço de melão que já não era doce, nem me agradava, mas eu continuava a comer porque havia começado e não queria desperdiçar. No final do dia eu lia o livro a viagem do elefante que já não me causava prazer nem alegria, pois era uma viagem sofrida de um animal tirado de seu habitat na África para ser presenteado a um monarca da Europa. Lembro de sua cara me olhando com julgamento e questionando por que eu ainda lia esse livro, e comi o melão sem graça? E eu te respondi que era por que tinha começado devia terminar, não gostava de deixar as coisas pela metade. Lembro de seu conselho: "a vida é muito curta pra cumprir obrigações que podem ser descartadas". 
Ontem no encontro do grupo de pesquisas enquanto esperava os colegas, um jovem estudante de geografia com seus 72 anos de estrada, uma trança no cabelo branco e olhos extremamente azuis também esperava sua turma para um encontro. Me contou que depois que ficou viúvo e seus filhos cresceram resolveu viver o que lhe foi podado na juventude, agora faz uma graduação e pretende entrar para o mestrado em breve. Faz pouco tempo que quando mencionei que entraria no mestrado algumas pessoas questionaram porque, afinal estava prestes a fazer cinquenta anos.

Eu, Cristian e Moretti na UESB

No caminho para casa vim pensando naquele seu conselho, quando passei a ler o mundo de maneira diferente, afinal a gente busca alegria e não apenas prazer, a alegria vive dentro da gente o prazer precisa de um objeto e não é permanente. Resultado: não sei o final do animal e o final de sua jornada, também não como mais por obrigação. Quanto ao mestrado, já terminei, o doutorado está chegando junto com o ano novo. O meu novo colega de grupo de estudos é um exemplo de que a vida pode ser vivida quando a gente se permite.
E nas voltas que o mundo dá, a idade é só a contagem de tempo, a mente nunca envelhece a não ser que a gente permita, mas como nossa meta é ultrapassar o cem até lá levaremos uma vida plena com alegria de viver cada dia com desafios a serem cumpridos como aprendizes.

terça-feira, 14 de novembro de 2023

O fio

O micélio é o nome de um conjunto de hifas emaranhadas que é responsável pela alimentação, sustentação e sobrevivência de um fungo. No filme Avatar tem uma árvore mãe chamada Eywa que conecta todos os seres vivos, curando e absorvendo, devolvendo a terra. Tem um estudo muito bonito de um biólogo que fala que as árvores se comunicam, por meio de suas raízes profundas alimentam as outras doentes ou cortadas e alertam outras sobre mortes e pragas para que as demais se preparem para não adoecer.
Na vida humana tem um fio invisível, um micélio desse que às vezes a gente nem faz ideia o peso que tem cada ação. Quando vim morar nessa rua havia uma senhorinha muito gentil que todo dia escolhia um vizinho para visitar por vez. Dona Laura era uma amiga íntima de todos da rua. Certa vez ao chegar em minha casa viu uma colcha de retalhos e queria saber quem a fez, contei que havia sido feita por minha mãe e que ela a dera de presente para Pedro. Ela me pediu pra encomendar uma. Dias depois a dela chegou e ela presenteou seu neto Felipe.
Quando Mateus foi estudar o ensino fundamental a sua professora preferida era a tia Cris, ela tinha paciência com ele. Anos mais tarde em sala de aula encontro o Felipe como meu aluno, ele me conta que sua avó lhe presenteara com uma colcha de retalhos costurada pela minha mãe e fica feliz, eu o comunico que a mãe dele também foi professora do meu filho e hoje eu sou a professora do filho dela. Nos meus devaneios fico a pensar.
Uma árvore no topo da montanha manda seus ensinamentos para as demais por meio das raízes e vão passando informações uma pra outra até chegar nas árvores do vale, assim como a Eywa, ou o fungo com seus micélios. Da mesma forma nossas ações sejam elas boas ou más também chegam a outras pessoas que a gente nem conhece e começa a fazer parte de vidas desconhecidas.
E nas voltas que o mundo dá, às ações e emoções são deixadas ao vento e ele carrega para lugares distantes e podem fazer bem ou mal, mas nunca passa despercebida. Que sejamos como o pólen das flores que voa para longe com o vento ou é levado por inseto e fertilizam outras plantas, e geram novos frutos e começam novos ciclos.

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Prazer

Hoje li numa parede qualquer da cidade a frase: "O prazer não se repete, ele é único". Lembrei de umas falas do Ruben Alves que dizia que o prazer é único, mas a alegria é aquele que existe só pela lembrança. E nos meus devaneios percebi a profundidade  dessas palavras. Desde cedo nós mulheres somos podadas do prazer. Crescemos ouvindo frases como: "não toque aí", "cruze as pernas", "não se toque", isso pra não comentar as outras podas. O prazer gastronômico também é privado para as meninas desde cedo, aprendem que não se deve comer muito, pois a sociedade aceita melhor as magras. Deveria ser proibido proibir as pessoas de serem felizes e terem prazer, pois a alegria só existe depois dele.
Muitos acreditam que a busca pela alegria é o mais importante, mas a alegria vem da lembrança, o prazer vem do ato em si. Me alegro sempre que abro uma caixa de chocolate, pois me lembra o prazer de comê-los nas manhãs de natal (uma contraversão comer chocolate pela manhã), sinto alegria quando como uma pamonha cozida na palha (era assim que mãe fazia), sinto alegria em lembrar dos beijos de outrora, dos abraços que me foram dados. A alegria é o que a gente busca de verdade, pois ela fica na memória que guarda tudo que é interessante e que fez bem e se repete, outra e outra vez.
Essa semana choveu forte por aqui, e aproveitando minha folga do trabalho tomei um banho de chuva, enquanto chuva caia e exalava o cheiro de terra molhada, os trovões ressoavam como em um balé, as plantas dançavam ao ritmo do vento. Um prazer novo pra lembrar sempre que quiser, lembrando os banhos de chuva no quintal da casa materna, recordei quanto é bom viver e compartilhar as emoções dessa vida.
E nas voltas que o mundo dá, ser feliz é um ato de rebeldia e coragem. Não é por causa de um banho de chuva que vou adoecer, nem um chocolate no meio da manhã que causará diabetes, ou sentar do jeito que eu quiser que me tornará menos mulher. E sigo sendo atrevida, tomando banhos de chuva, mangueira, mar, cachoeira e até de pipoca se eu quiser. Me toco, me conheço, me reconheço, danço pela casa e canto desafinado, desafiando o tempo e irritando a tristeza. Por que a lembrança eu posso acessar quando quiser, mas antes é meu direito criar novas memórias.

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

As aventuras caninas

Eu tenho um cuidado com os meus peludos e peludas para que fiquem com conforto e segurança. A dupla canina Zeus e Hércules só saem em companhia dos humanos. Tem um casal de cães na rua conhecidos como Negão e Pretinha que frequentemente vêm a minha calçada atiçar os meus. Dia desses Zeus o tranquilo, achou o portão aberto e foi passear com Negão, Pretinha e seus companheiros. No caminho foi deixado de lado e ficou perdido, sorte que percebemos sua grande fuga e saímos em sua busca para o resgate. Ele ficou ofegante e nunca mais saiu de casa (até hoje pela manhã).
Estamos com reforma na casa e vez por outra vejo os portões abertos. Dizem que quando se reforma uma casa se tem muitas surpresas. Essa semana, ainda no começo, tive duas surpresas que me deixaram a pensar. O Hércules que tem um temperamento mais explosivo é constantemente criticado, todos têm medo de seu temperamento, mas essa semana, enquanto tudo estava aberto e a rua chamando ele estava lá na garagem, fazendo pose de Anúbis e julgando os humanos que por ali passava em sua tranquilidade canina. Para todos a grande novidade do ano, logo ele o estouradinho com sua serenidade canina.

Hércules

Zeus

Hoje fui na loja perto de casa, o portão foi aberto mais uma vez e agora Zeus resolve sair sozinho. Na volta pra casa vejo uma pessoa chamando a criatura com a porta do carro aberta. Assim que ele me ver sai correndo ao meu encontro. No meio da rua abri os braços como Moisés pra evitar um atropelamento, e ele volta pra casa como uma criança que saiu procurando a mãe e encontrou, mais uma vez fiz o papel da louca dos cães. Em casa o espevitado do Hércules, repousa tranquilo em sua cama.
E nas voltas que o mundo dá. Olhando para esses irmãos tão diferentes não de pode contestar que um completa o outro. O alvoroçado é tão caseiro que nem parece com essa cara brava, já o tranquilo adora uma aventura e a de hoje foi para ele "O resgate da mamãe". Não se pode viver sem amar uma criatura dessas.

sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Amarelo

Quando fui para a universidade fazer minha primeira graduação me deparei com o privilégio de morar e estudar no centro acadêmico que se encontra dentro de uma reserva florestal. Um encanto de lugar, ali conheci muitas coisas e pessoas interessantes, entre elas a linda floração dos ipês no meio da mata fechada. Nos meses de junho e julho o roxo se destaca na mata verde. Entre agosto e setembro os amarelos e os róseos emergem enfeitando a mata e de longe eu os admirava, até que um dia conheci o branco. Todavia, o amarelo sempre foi meu xodó.
No caminho para a biblioteca tinha um amarelo, pertinho do prédio central foi ali que conheci meu grande amor e esse dia ficou registrado em fotografia impressa. Não sei se ele ainda existe, mas espero que sim. Já se passaram muitos anos depois daquele encontro com chão coberto de flores amarelas enfeitando a passagem dos estudantes que por ali passavam. Hoje vejo os meses passando de acordo com a passagem das cores dos ipês que florescem na cidade que hoje moro. E um dos meses mais representativos e belos é o mês de setembro. Tem ipês floridos por todos os cantos e a cidade com o céu azul da primavera me oferece o contraste mais belos do mundo, a perfeição da criação.
E nas voltas que o mundo dá, plantei um ipê pra chamar de meu e com ele quero repousar depois dessa vida, quero florescer com ele a cada primavera e ser lembrada como a flor amarela que contrasta com o céu azul. Por enquanto me contento em contemplar a boniteza que é o contraste do céu azul com a floração amarela do ipê ainda no final de agosto, mas que se estenderá por setembro. Eu espero e agradeço por compartilhar o mesmo céu comigo.

segunda-feira, 17 de julho de 2023

A vela

No universo tudo é energia, o sol fornece energia luminosa, as plantas a transformam em energia química e essa é transferida de um corpo para outro em movimento contínuo. Todo universo é feito de energias que vibram em diferentes frequências, elas podem ser físicas, mentais, espirituais e emocionais e a luz é uma das mais belas.
A vela é uma invenção atribuída aos romanos antes de Cristo. O ato de soprar velas é atribuído à deusa Ártemis, no livro sagrado da Cabala está escrito que não se deve apagar velas com sopro, algumas religiões defendem que as luzes das velas iluminam o caminho dos mortos quando acesas por alguém vivo. Outro dia ouvi um amigo dizer que as velas acesas em casa ajudam a trazer espíritos não evoluídos ou em estado de sofrimento para o ambiente, por isso não é bom acender. Em outras culturas as velas representam a iluminação espiritual e devem ser acessas em rituais de proteção. A maioria das pessoas acendem velas e colocam em bolos de aniversário e sopram desejando coisas boas.
O Rubem Alves certa vez lembrou que as velas quando sopradas nos bolos de aniversários lembram os anos vividos que não voltam mais, não é uma comemoração é uma despedida dos anos que já se foram. Há muito tempo não acendo velas em bolos, mas era simplesmente por causa da higiene, acho um nojo soprar velas de aniversário sobre o bolo. Esse mês comemorei os anos que não estão mais comigo e que já foram vividos, e a vela pra mim é uma comemoração desses anos que contribuíram para ser quem eu sou hoje e não como finitude.
Nasci no inverno, e amo a primavera. O inverno é tempo de recolhimento, encolhimento, frio e cinzento, eu gosto de dias ensolarados, coloridos, cheiroso e com a florada dos ipês e flamboyants que enfeitam as avenidas da cidade com cores vermelhas, amarelas e laranjas. Nos últimos anos os invernos me presentearam com dores e passei a gostar muito menor dele. Comprei aquecedor, lavei cobertores e casacos para esperar sua fria chegada.
E nas voltas que o mundo dá, as velas não aquecem o ambiente, podem até perfumar, mas não aquecem. Elas iluminam com sua luz frágil e trêmula, promove um conforto com sua energia e às vezes com cheiros, não querem ser sopradas e morrerem rapidamente só querem iluminar a vida a seu redor, irradiar energias boas, atrair novas energias em movimentos no universo. Quero ser vela, iluminar vidas, trazer conforto, ser luz na vida dos que comigo convivem. Mas espero ansiosamente a chegada da primavera.

segunda-feira, 26 de junho de 2023

Das cartas que nunca te dei/darei

Esse ano fez quarenta e cinco anos que você partiu para outras paisagens. Não tive o prazer de conviver com você, mas as memórias herdades são tantas. Esses dias revi um poema seu de décadas passadas, uma de suas netas me manda a foto do acordeom que ela mandou restaurar, outra pessoa me conta das aventuras vividas em andanças pelas estradas com você. É bonito, parece que você não foi e nem vai. Ontem você meio me visitar e foi um sonho lindo e resolvi te escrever (pra nunca esquecer). A vida é feita pra viver agora, não pra deixar para depois, só se vive um dia de cada vez. Ouvi tanto isso.
Saber que você aprendeu a ler e escrever sozinho me aquece o coração, mas também era poeta e tocava acordeom, ah, isso já demais. Não consigo lembrar seu cheiro, o som da sua voz, nem mesmo como era seus passos, imagino eles enérgicos, avexado, acredito que tinha uma cabeça cheia de ideias, além das preocupações, mas acredito que tirava aquele tempinho pra ler, escrever e olhar as estrelas.
Sei que em noites de verão quando o céu limpo mostrava as estrelas e o cinturão de Órion para os meus irmãos e as vezes os contemplava sozinho, viajando no seu mundo particular. Acho que era nessas horinhas de descuido que a felicidade brilhava em seus olhos. Ficar sozinho as vezes é tão bom. Nisso eu acho que te entendo.


Poema de pai



Instrumento dele

Pai, mãe e eu.
O casal que mais aprendi a admirar, mesmo conhecendo só uma metade, mas essa metade que ficou foi meu tudo por muitos anos, e parte de vocês ficaram em mim, acredite, é a minha melhor parte, pois de todo o amor que eu tenho metade vieram de vocês, cada um do seu jeito. Essa semana ganhei essa fotografia, eu não sabia com quem estava e foi um lindo presente, agora tenho uma herança física afetiva, meu tesouro particular.
E nas voltas que o mundo dá, minhas memórias foram herdadas de outras pessoas que com você conviveram, e como eu tenho inveja desses momentos que não tive contigo! Meu baú de lembranças agora tá mais rico, e farei dele bom uso. Gosto de ver as caras dos seus netos quando conto suas aventuras e história de vida pra eles. Obrigada por fazer parte da minha vida, por fazer parte de mim e dos meus, meu samurai negro.

 

domingo, 11 de junho de 2023

Casa-lata-lar

Desde menina as latas sempre me chamaram a atenção, não só por guardar sabores e segredos, ou os dois, mas também por ter um charme diferenciado. Em casa de vó tinha a lata de biscoito de canela, em casa de mãe tinha a lata que antes era de biscoito importado e virou lata de agulhas e linhas de costura. E todas as latas ganhavam uma finalidade nova depois que era esvaziada. Em casa de tia tinha uma caixa de biscoito, não era lata, mas tinha formato de casa, muito parecida com aquelas casa da Alemanha com madeira aparente entre as paredes e telhado em V investido. Como eu tinha vontade abrir e brincar com elas, mas era só pra ver, afinal era de papelão, se manuseasse muito, já era.
Esses dias passando na feirinha orgânica encontrei uma lata-casa contendo biscoitos, na Pascoa comprei um ovo de lata recheado de biscoitos, eles são caseiros, têm flores enfeitando, as embalagens são de papel daquele que a gente enrolava pão na padaria, e ainda tem um carimbo. Tudo tão "Vintage". O cuidado com o uso dos ingredientes e a preparação das delicadas bolachas são uma perfeição. Optei por bolachas amanteigadas, com flores de primavera e óleo essencial de tangerina e de lavanda. Um festejo de sabores.


Lata de biscoito

Lata com telhado aberto

Biscoitos floridos

E nas voltas que o mundo dá, ainda vejo a arte de cozinhar como uma magia sagrada e o ato de se alimentar saboreando as delicias e delicadezas é um êxtase. Não comprei a lata de biscoitos por querer voltar no tempo. Nunca tenho essa intensão, mas descobrir os sabores de biscoitinhos amanteigados e com flores e óleos essenciais, são como pequenos segredos, memórias novas que se juntam as antigas em uma nova embalagem, uma nova casa-lata-lar pra guardar.



quinta-feira, 8 de junho de 2023

Eu nunca estou só

Desde sempre eu ouvia minha avó e mãe dizerem: "o conhecimento é a única riqueza que ninguém pode tomar de você. Por isso estude, você nunca estará sozinha". Confesso que hoje tenho minha dúvidas quanto ao roubo. Ano passado, ainda no mestrado eu e Geysa resolvemos colocar um plano em ação. Escrevi o projeto sobre a Mandala como horta escolar (que já existe), mas com adaptações para o uso de maneira didática, ela agora é usada para educação ambiental e disciplinas da área profissionalizante em agroecologia, e na formação de professores do campo, além de alunos da educação infantil até o ensino superior. E tem ainda um banco de dados para o planejamento das ações didáticas.
Feito o projeto, montei minha equipe para colocar em prática. Engenheiros agrônomos, químicos, biólogos e professora de linguagem. Sem financiamento, conseguimos uma escola que adotou a ideia e ofereceu o material físico e o espaço para a implantação da Mandala. O projeto foi aprovado em edital da UESB e a gente colocou em prática na escola que fica logo ali na Barra do Choça, cidade vizinha, em um assentamento do MST. Com o projeto pronto e entregue, me deparo com um vídeo do prefeito exaltando o projeto e dando todos os créditos pela ideia e implantação a uma ONG da Alemanha. Depois de uma denúncia o foi tirado do ar, mas é claro que medidas cabíveis serão tomadas junto a Universidade.
Implantar um projeto dessa grandiosidade não é  tão simples, exige um levantamento topográfico, traçado dos círculos, análise de solo e água, adoção de culturas adequadas a produção dos sujeitos do campo, controle integrado de pragas, produção de mudas, centro de compostagem, galinheiro e canteiros de plantas medicinais, irrigação e drenagem, mas também a valorização dos conhecimentos ancestrais e valorização dos saberes do campo associado ao saberes  científicos de modo a "copiar a natureza" com uma produção economicamente viável, socialmente justa e ecologicamente correta.
É importante lembrar que a colonização ainda não acabou, os europeus implantaram sua colonização em todos os setores da educação e  da vida da sociedade brasileira, é preciso descolonizar o pensamento, deixar de oferecer tudo de mão aberta para os estrangeiros, já chega de colonialidade. 
E nas voltas que o mundo dá, eu realmente não estou só, o conhecimento e a sua construção são direitos de todos, inclusive, é um princípio da agroecologia, mas se apossar de um conhecimento e trabalho de outras pessoas e oferecer os créditos a outros não é justo e não deverá passar impune.


domingo, 4 de junho de 2023

Memórias afetivas

Certa feita Sêneca escreveu: "Eu espero que quando a morte te encontrar, ela te encontre vivo". Essa frase é muito forte, pois cada dia é único e fica gravado nas memórias afetivas. Minha avó Joana era uma mulher muito sábia. Ela costumava dizer: "Construa memórias, um dia será tudo o que você terá". O mês de junho é o mais rico de todos. O cheiro da comida na cozinha de alimentos específicos da colheita são especiais, a fogueira e os fogos de artifícios, e, sobretudo as músicas juninas são sempre um temporal de emoções boas.
Lembranças que ficaram na memória como os forrós na casa de tio Paizinho, as simpatias do Santo Antônio (que meus irmãos sabotavam), as fogueiras acessas as 18:00 horas em ponto, o frio da época e as histórias dos nossos ancestrais contadas na beira da fogueira como aquelas das botijas nas paredes, são tempos que não voltam mais. São dias únicos que se tornaram quadros memoráveis e tempos passados.
Esses dias voltando pra casa do trabalho passei no Shopping que me deparei com um pequeno "arraiá." Com capelinha de Santo Antônio, com fogueira estilizada, barracas de comidinhas, e até uma pracinha aonde os músicos tocavam forró. Viajei no tempo sem sair do lugar.








E lá estava eu na minha cidade, no tempo que a quermesse era feita na rua principal com passeios entre a igreja e a praça. No tempo que a gente saia no meio da noite pra colocar a faca na bananeira, de colocar o santo de cabeça pra baixo, de contar quantas batidas a aliança dava no copo com água e de juntar os primos e primas que vinham de longe pra comemorar os festejos juntos.
E nas voltas que o mundo dá, viver cada um dia como únicos que são é uma construção individual e coletiva de memórias pra se contar na beira da fogueira, o ciclo se repetindo com as novas gerações.  Junho seu lindo e cheiroso, se achegue e fique a vontade, traga novas lembranças para esse baú chamado vida. E quando a morte nos encontrar, estejamos tão cheios de vida que ela se recuse a nos levar.



terça-feira, 9 de maio de 2023

Ancestralidade

A agricultura teve início quando uma mulher ao jogar sementes "fora" descobriu a germinação. Assim, passou a domesticar as sementes e usar numa plantação. Cercou o primeiro pedaço de terra para os animais não comerem. Essa pequena ação deu ao ser humano a capacidade de cultivar seu alimento e sobrou tempo para desenvolver outras atividades como a arquitetura, as técnicas agrícolas, a matemática e todas as ciências que conhecemos.
Ao cultivar seu alimento, a mulher também passou a desenvolver receitas e a cozinha começou a se sofisticar. Mia Couto disse que "cozinhar é um ato de amor". Ah, Mia nem sempre. A cozinha é uma alquimia dos deuses ou será das deusas? É alimentando seu povo que a mulher cuida, garante a saúde, o prazer do sabor, mas também pode ser perverso. Eu fico com o amor de saborear os prazeres do paladar. Rubem Alves falou sobre o filme cidade dos anjos. Nele, um anjo experimenta um sorvete e descobre o sabor que os humanos desfruta e ficou emocionado.
Dia desses me perguntaram quem me ensinou a cozinhar e quem ficou com a interrogação fui eu. Quem? A resposta é simples todas as mulheres que vieram antes de mim. A cozinha de vó era ancestral, fogão de lenha, panelas de barro, pilão de pilar café, pano de coar café e outras peculiaridades. O cheiro daquela casa é só dela e hoje habita minha memória afetiva. A cozinha de mãe ao contrário possuía fogão a gás, geladeira, e essas coisas que temos hoje, mas nem por isso menos atrativa e cheirosa. As horas eu sabia sem olhar o relógio, mas pelo cheiro que brotava daquele ambiente fabuloso.
O café fresco logo cedo da manhã, o cheiro do alho refogando o arroz perto da hora do almoço, o cheiro de sopa quente nos dias frios quando a noite caía. Tudo muito mágico e saboroso, o bolo quentinho saindo do forno par o café da tarde. Em todas as receitas havia um conhecimento ancestral de outas mulheres que vieram antes das minhas mulheres e antes de mim. No começo não gostei muito de cozinhar, mas com o tempo fui descobrindo os prazeres da mesa, a alquimia de misturar legumes, sementes, raízes e transformar em pratos que agrada o paladar e muitas vezes causam um carnaval de sabores no céu da boca.
E nas voltas que o mundo dá, quem me ensinou a cozinhar foram todas as mulheres que vieram antes de mim, o acúmulo de conhecimentos, os livros de receitas amarelados com registros antigos, a soma de receitas de famílias que se uniram. E agora vou digitalizar os cadernos que a mim chegaram, o da sogra, o da vó de Paulo, o da minha mãe, o principalmente o de Aparecida (Nêm) minha irmã, responsável pelos melhores momentos de degustação da minha vida e dos que vieram depois de mim. Porque cozinha pode ser um ato de amor infinitamente memorável. Os aromas eternizam-se na memória e protagoniza um efeito quase alucinógeno de lembranças e momentos que não voltam mais.
Obrigada a todas as mulheres que vieram antes de mim!


segunda-feira, 24 de abril de 2023

Etarismo

O corpo biológico é definido de diversas maneiras, certa feita Galeano escreveu" A igreja diz: O corpo é uma culpa. A ciência diz: O corpo é uma máquina. A publicidade diz: O corpo é um negócio. E o corpo diz: eu sou uma festa".  O corpo feminino é muito mais exigido e muito menos compreendido. A mulher ao passar de quarenta tem peculiaridades que só ela sabe e na maioria das vezes estão sozinhas, a cabeça não acompanha as mudanças corporais, mas os olhos alheios sempre têm o que dizer.
Esses dias fui ao SAC com a tia que tem mais de oitenta anos pra resolver um detalhe besta de uma senha em uma plataforma para poder obter informes de rendimentos para o Imposto de Renda. O atendimento agendado foi rápido, mas a moça que nos atendeu olhava e fazia orientações a mim como se a tia fosse invisível ou não estivesse ali. Falei educadamente: "A cliente é ela não eu". Naquele momento senti o peso da idade no corpo feminino e apercepção das outras mulheres em relação as demais. A culpa não é dela, mas da sociedade que consegue impregnar no consciente coletivo que o envelhecimento feminino é mais complicado.
Quem nunca ouviu frases como: "você não aprece ter a idade que tem?" e para se sentir mais jovens as mulheres pintam o cabelo, se não o pintarem são criticadas, buscam cada vez mais maneiras de ficarem com aparência mais jovens. Os homens não são tão cobrados, aliás, "cabelos brancos em homem é charme para mulheres é desmantelo", quem nunca ouviu essa frase que atire a primeira pedra.
E nas voltas que o mundo dá, esse tal de etarismo é mais uma agressão ao corpo feminino que foi nomeado. Ele sempre existiu, mas agora tem nome e é mais um nó pra gente desatar, ser mulher muitas vezes é cansativo. "mulheres do mundo uni-vos".


segunda-feira, 27 de março de 2023

O mundo gira e dança

Ontem cedo da manhã fui ao banco usa o caixa eletrônico. Tinha um rapaz chamado Jorge, um mexicano que havia acabado de montar seus instrumentos e tocava um bolero em troca de uns trocados. A música soou como por encanto no recinto vazio, tomei meu parceiro e resolvi danças, mesmo ele relutante com vergonha de ser visto. E depois de uns passinhos, olhamos pra o lado e o Jorge sorria feliz. Haviam pessoas nos caixas, ocupados com seus afazeres ninguém nos percebeu, a não ser o Jorge. E a agente se dá conta que o mundo gira e dança. A gente só copia a natureza, princípio agroecológico.
E nas voltas que o mundo dá, um dia Nietzsche escreveu: E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam ouvir a música". Ah, meu caro, minha loucura é ouvir a música que quase ninguém ouve. 


 

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Passarinhar

Dia desses vindo pra casa um passarinho caiu da árvore, coloquei no casaco e trouxe pra casa, ele que é um guerreiro ganhou o nome de Virgulino, com o passar dos dias já fortinho começou a voar pela casa, pousava no computador quando eu estava trabalhando, vinha quando eu chamava, e virou o novo xodó de todos, as gatas o acolheram como irmão, os cães se acostumaram com os seus voos rasantes, mas a casa se tornou pequena demais pra ele. Um belo dia ele saiu para o quintal e tomou um novo rumo pra sua vida. Vez por outra ele aparece por aqui.

Tirando um cochilo

fazendo companhia

O dia de sua chegada

Virgulino e Suzana

Virgulino é um amor diferente, sem gaiolas e sem grilões, e por ser livre vai e vem quando quer, mas já faz uma semana que ele não aparece pra comer as frutas no quintal, sinto falta. E nas voltas que o mundo dá, o amor é como um passarinho que pousa na ponta do dedo da gente, vai quando quer e a aparece quando bem entende. Se fosse necessário prender não seria amor.
 

terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Pedras

Quando o Pedro era criança colecionava pedras, tinha de todas as cores e todos os tamanhos.  Depois de um tempo tomado poeira elas foram guardadas. Esses dias numa das arrumações encontrei as pedras do Pedro. Todas lindas, e passamos um bom tempo olhando pra cada uma e lembrando onde foram achadas, sua composição mineral e o que os místicos falam sobre cada uma delas, um daqueles pequenos prazeres que acontecem no descuido do dia, uma felicidade. Gosto desses descuidos entre as horas, esses pequenos presentes no meio do dia. Quando eles eram pequenos me procuravam para brincar, ler e soltar pipas, tomar banho de chuva, de mar e de mangueira, depois que crescem, os interesses são outros. Que bom que brinquei todas as vezes que pude! Que bom que nossas pedras são lindamente coloridas! Tem aquela colhida no leito do rio, aquelas da praia, aquela de uma caminhada, e todas elas guardam uma lembrança, voltaram para o armário das coisas pra serem lembradas, não é só uma caixinha de pedras, é uma caixa de vida vivida.
O Rubem falou certa vez que ostras felizes não fazem pérolas, eu não quero pérolas eu quero as pedras, que sejam de diferentes formatos e diferentes cores, mas que sejam pedras que morem fora de mim num canto do armário, que guarde momentos vividos com intensidade e que sejam eternos. Os prazeres pequenos são mais intensos que os chamados grandes. Eles brotam em pequenas coisas no dia, seja uma leitura agradável, seja num filme que nos fazem rir, seja naquela conversa besta que faz a barriga doer de tanto rir. 
E nas voltas que o mundo dá, ainda colhemos outras pedras, pode ser um sorvete com batata frita, umas horas (perdidas) na livraria, um café quente sem gastura, uma tarde de pernas pra o ar, ou uma caminhada numa praia. As pedrinhas da vida são pequenas alegrias que confortam o coração, aquecem a alma e nos fazem sentir a beleza de ser cada um da sua maneira. E quando puder brincar, brinque, olhe pra o vento nas folhas de ipê ou nas plantas se curvando sob a chuva. Por que viver é colher esses prazeres diários sem medo de ser feliz.