sexta-feira, 23 de outubro de 2020

As avós moram dentro de nós

Durante minha vida tive o contato apenas com uma avó, as demais já não existiam, o meu avó paterno morreu no dia que eu nasci. Mas teve Dona Joaninha a avó materna da rua do cemitério. Na casa dela o chão era cinza, o teto tinha furos na telha que deixava o sol entrar e fazia bolinhas de luzes no chão, o cheiro de café no fogão de lenha era um aroma dos deuses, tinha pombos no quintal e romãs. A lata de biscoito de canela sempre estava cheia, e sua cadeira onde fazia crochê (hoje comigo) era o seu trono de madeira e palha.
Na casa da avó se pode tudo, comer biscoito antes do almoço, subir na árvore do quintal, brincar de cozinhar, ajudar na torra do café. O domingo era o dia das visitas, os tios vinham visitar e os primos de fora eram novos colegas de brincadeira. A gente brincava de cobra cega, pega-pega, tinha arenga, tinha abraços, nunca castigos.

Mãe, tios e tias

Mãe e tias

A casa da avó quando se fecha é uma tristeza dobrada, a casa-alegria deixa de existir, os encontros dominicais param de acontecer, as alegrias se mudam. A casa da mãe passou a ser a casa vó, um recomeço, mas ela também fechou. E o mundo gira, novos netos chegam, a casa muda de endereço, mas as avós continuam morando em nós, nas lembranças, nas receitas, nos cheiros e sabores. Por que na casa da vó pode tudo.
E nas voltas que o mundo dá, a casa da avó é a casa-alegria-sonho-realidade. Os nossas avós vivem em nossas mães, elas guardam receitas de família, histórias, memórias e tudo que as representam. Hoje não tenho mais a casa da avó pra visitar, nem a de mãe, mas as visito sempre em minhas lembranças mais doces. Feliz que tem a sorte de conviver com as avós-mães, elas são eternas e moram dentro de nós.

domingo, 18 de outubro de 2020

Alegrias de quintal

Uma das minhas alegrias é ir a feira nos sábados, lá tem uma variedade de sabores, cores e texturas que me recordam delicias de toda hora. Ontem tive uma grata surpresa, na barraca de Dona Nina tinha tomates de quintal ou de jardim, mais conhecidos como o cereja. Os dela são docinhos como os da casa de Tita, na minha infância a gente colhia no pé, e também se fazia doce de tomates. Comprei alguns e vou plantar no quintal, quem sabe o meu também frutificará?

Tomatinhos
Avenida Olivia Flores ontem a noite

Não faz muito tempo plantei novas mudas de muita coisa que trago da feira, agora tem manjericão, hortelã, cidreira..., tudo longe do chão pra os cães não alcançarem, agora teremos tomates do quintal. A terra é assim, um pedaço do meu corpo, o seio de onde me alimento. Não quero ladrilhos no chão, não quero cimento. Quero a alegria de ver o chão coberto de flores de goiaba com estão agora, quero a sonoplastia das abelhas sobrevoando as flores, quero pitangas vermelhas enfeitando a árvore como se fosse natal.
E nas voltas que o mundo dá, o jasmim se prepara para florir, outubro chegou com calor de verão em plena primavera e os apetes de flores também estão pela cidade. Quero a plenitude da terra mãe, do convívio com os seres iluminados, para mim o quintal e o jardim, são altares que celebram a grandeza da vida como dizia Santo Agostinho. 


terça-feira, 6 de outubro de 2020

Bordando a vida

Minha mãe era uma excelente pedagoga sem nem mesmo ter ido a escola, certa vez, como castigo por um comportamento inadequado ela me deu uma tarefa. Bordar um caminho de mesa em ponto cruz, o tecido era um linho branco. Assim, além dos pontos eu ainda tinha que contar as tramas do tecido (tenho esse caminho até hoje). E só poderia sair de casa depois da tarefa concluída. Levei dois meses pra fazer. A principal lição foi não se mostrar o que não si é. Eu havia dito que a blusa da minha irmã era minha.
Detalhe do bordado

Avesso do bordado

De acordo com a sua pedagogia da presença, a gente deve mostrar o que é, e nunca se fingir ser o que não é. Por isso mesmo o bordado deve ser perfeito no avesso. O meu na época ainda não foi um exemplo de perfeição, mas vamos combinar que ficou bonitinho. Aprendi a lição direitinho e guardo esse caminho pra lembrar dela sempre que necessário.
As vezes a vida da gente parece perfeitinha, e a gente finge tá tudo bem, quando por dentro tá tudo virado de pernas pro ar. Pra evitar esse desbordado, é preciso falar o que sente quando sente, pra não embolar a linha por dentro. A vida é um linho em branco e a gente colore de acordo com as cores do pensamento, das emoções. Então, que seja colorida, bem alinhada, mas de vez enquanto pode se desarrumar um tiquinho. Portanto, faça meditação, mas dê uns gritos vez por outra. Beba água, se hidrate, mas se desidrate com um vinho vez por outra.
E nas voltas que o mundo dá, a agulha é um pensamento, a cor da linha emoção e o tecido é a vida limpa e solta, que carece de atenção, de cor, de vida. E a gente vai desenhando a história vivida nele. Não me tornei a bordadeira que talvez ela gostasse, mas ando colorindo a vida com lindos bordados coloridos no meu imaginário metafórico, e que nós todas possamos nos tornamos as bordadeiras da vida coloria, com pétalas de felicidade, rosas de noites quentes de verão, luas e sóis que possam oferecer abrigo e calor quando a gente precisar.