segunda-feira, 21 de março de 2022

O cuidar e a afetividade

Esse final de semana resolvi arrumar uns armários. Essa tarefa sempre é demorada, pois demanda muitas histórias afetivas em objetos encontrados, perdidos, guardados, esquecidos, mas com histórias pra contar, recontar, relembrar, compartilhar. Durante seis anos meu Pedro foi filho único, mas um dia soube da noticia da chegada do irmão. Na época tinha esse tal tamagotchi. Um chaveirinho com um bichinho virtual que precisava comer, passear, dormir enfim, fazer todas as coisas que uma criança deveria fazer. Demandava cuidado, pois caso não fosse alimentado morreria. Expliquei para ele que quando o irmão chegasse eu deveria que cuidar dele, e isso diminuiria o tempo de atenção com o mais velho, para entender melhor demandei uma responsabilidade, cuidar de um tamagochi. Ele cuidou com esmero, e quando precisava fazer tarefa ou brincar com outras coisas deixava seu bichinho sob minha responsabilidade, e com diversas exigências de cuidado. Um dia o "bichinho" morreu e foi o seu primeiro "luto", difícil explicar para uma criança de seis anos o que é perder algo que se tem afeto, mesmo que seja um bichinho virtual.

Tamagouchi. Fonte: Google 2022.

Com a experiência vivida, aprendeu que cuidar demanda tempo e esse empo dedicado cria raízes que a gente costuma chamar de afeto. Ele entendeu que quando eu cuidava do irmão ele também poderia participar, e sempre haveria tempo pra ele, depois da escola, na hora de dormir, sempre que precisasse eu estaria ali, ao alcance das suas mãos mesmo quando se tornasse menino grande. Leonardo Boff, é um dos meninos grandes que eu vejo com a morosidade em seus escritos. Quando ele fala do cuidar, é com tanta propriedade, para ele "O cuidar é diferente do descuido, está antes do agir humano, é mais que um ato". Vejo a palavra trocada por amor. Por que só quem ama, cuida, e o faz em todas as esferas, seja o autocuidado, é o cuidado com o próximo igual, o diferente, a natureza, a responsabilidade afetiva.
E nas voltas que o mundo dá, a gente segue contando histórias, juntando pedaços, criando nossa manta protetora de bordados de linhas douradas com afetos. E esperando que como disse o Boff: Que o cuidado aflore em todos os âmbitos, que penetre na atmosfera humana e que prevaleça em todas as relações (BOFF, 1999, p. 191).