quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Miçanga

Todo final de ano era um caminho de roça eu ir na loja de "sarrabuio" comprar linhas, botões e zipes para minha mãe costurar as encomendas de final de ano. Ali eu ficava por um bom tempo escolhendo botões de tamanhos e cores variadas para cada peça que ela costurava, era um monte de botões misturados em um recipiente, um trabalho demorado que as veze me aborrecia. Esses dias fui ao armarinho daqui, uma loja grande que não combina com o nome no diminuitivo, escolhi linhas e botões e encontrei uma variedade de coisas e cores entre elas uma infinidade de miçangas, pensei em fazer um colar e fui escolher. Impossível não me lembrar nos novembros em Esperança com idas intermináveis para atender as demandas da mãe.
Entre aquelas pecinhas coloridas fiquei imaginando a combinação e entretida o tempo passou como quando eu escolhia os botões antigamente. Pensei que estava meio doida por me encantar com aquelas coisinhas, mas lembrei logo que o Neruda também teve um devaneio como esse quando cortava uma cebola, ele escreveu uma ode à cebola imaginando suas camadas de cristais e coloridas então notei que não estava pirando e segui com as escolhas.
As miçangas são contas que podem ser de osso, barro ou de cristais e até vidro ou plástico, mas em comum elas são coloridas e então lembrei das miçangas de Mia Couto. Ele fala que o fio de um colar vistoso não é visto, mas as miçangas são não somente vistas, mas também admiradas. Comprei um tanto e fiz um colar de várias cores, aleatórias ia montando a medida que elas vinham a mim. Enquanto tecia o colar viajei imaginando cada uma sendo uma história de vida, uma passagem como as do Mia, de cores menos intensas são os dias nublados, as perdas, as perturbações da vida, e as coloridas, as mais vibrantes são os dias felizes, as conquistas, as alegrias que tornam a vida boa.
Imaginei o fio quase invisível do fino nylon que as seguravam como se fosse o fio do destino, aquele que as Moiras cortam quando bem entendem e desafiei uma vida longa. Continuei a fiar as miçangas de modo que o colar ficou longo e agora dou voltas com ele no pescoço. E nas voltas que o mundo dá, fiquei maravilhada com as continhas de vidro como o Neruda com sua cebola, fiei meu colar imaginando as cores e seus contos como cada capítulo da vida, e o fio invisível que as Moiras não podem cortar. É o meu colar, é a minha história, são meus contos e para garantir que não se solte amarrei com esmero e queimei as pontas para que unidas pelo fogo jamais se desmonte.