quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Caju

Na minha vida o caju tem lá seu lugar de autoridade, tem o poder de me levar a lugares que gosto de revisitar. Seu cheiro lembra férias, mar, amizades e aventuras. Quando menina tive a sorte de ter por perto cajueiros pra coletar os frutos. Certa vez, ao descer de um cajueiro no sitio cai sobre um prego, não sei se o medo era maior de contar pra mãe ou a dor do ferimento. Em casa, o buraco que ia de um lado a outro do pé foi preenchido com uma mistura de confrei macerado com mel e fiquei uma semana sem colocar o pé no chão.
Nas manhãs de sábado um senhor com um saco nas costas, uma sexta de vime e um andar lento pelo peso dos anos, trazia um sorriso no rosto e dezenas de memórias no rosto enrugado pelo tempo costumava e ir a feira de rua e era cercado pela meninada que sabia que receberia a fruta, ao passa na minha casa sempre deixava alguns como agrado. Os cajus de seu Chagas eram diferentes, além de serem grandes e amarelos, imensamente doces e escandalosamente belos, com a pele fina sem rachaduras ou ferimentos eram consumidos in natura, nada de sucos ou doces, eles tinham cheiro de amor, afeto de amizade. Aprende ao longo do tempo que os mais doces, eram os que estavam bicados por passarinhos ou os rachados, sempre achei que as rachaduras era a doçura que não cabia mais nele e rachava a sua pele.
Em casa de mãe o suco da fruta era sempre usado, em casa de tia as frutas viravam doces em calda (nunca consegui fazer igual), era iguaria para se presentear também. As castanhas eram guardadas e no final da safra a gente colocava em uma lata com furos e assava na fogueira de gravetos do próprio cajueiro e depois de ficarem pretas e exalarem uma perfumada fumaça, a gente quebrava e tirava a pele. Essas castanhas depois viravam uma fuba que a gente comia com açúcar e farinha de mandioca, ou viravam picolés com uma mistura de castanha, açúcar e leite de coco feito em casa. Não há nada que expresse mais o sabor de férias que o caju.
Quando vim morar longe não conhecia ainda a nova casa, mas me deparei com uma grata surpresa, um quintal com goiabeiras, laranjeiras, abacateiro e lá no fundo com sua copa dançando com as folhas da mangueira da vizinha um majestoso cajueiro. E se tornou um novo amor, hoje já não frutifica tanto como antes, mas durante muitos anos foi minha fonte de felicidades de férias e alegrias de quintal. E se tornou um provedor de novas memórias afetivas também para as minhas crias.
Meu cajueiro é casa de passarinhos, eu diria que um condomínio, um refúgio no meio da cidade que cresce com tantos prédios, mas também é morada de outros animais, oferecendo sombras em dias quentes com suas folhas dançando em dias de tempestades, seu caule já deu casca pra remédios cicatrizantes. E por mais que os anos se passem, mesmo com sua copa podada devido as construções da vizinhança, ele continua lindo, forte e um lembrete de como a vida pode ser boa. É casa de Suzana e Estrela, já foi mastro de navios, balão, montanha e tatas outras coisas nas brincadeiras de quintal. E até tem nome se chama felicidade. E todos os dias agradeço a quem o plantou mesmo sem saber quem o foi, mas acredito que é um ser de luz, pois plantou uma árvore sem saber se usaria seus frutos ou se sentaria sua sombra é um entendedor do sentido da palavra "vida".