sábado, 27 de julho de 2024

Materna

Sua casa era simples, tinha um fogão a lenha, um quintal cheio de temperos e ervas de chá e uma lata de biscoito de canela sempre abastecida pra agradar os netos. O teto era de telha vermelha e as vezes um surgia no chão círculos de luz do solar. O cheiro era sempre bom, café torrado em casa com rapadura e pilado no pilão, almoço feito na panela de barro comprada na feira, era o melhor feijão do mundo. Na sala tinha uma cadeira de madeira e palhinha que agora habita minha sala de estar. Era uma casa acolhedora sempre tinha uma toalha colorida na mesa de jantar e flores colhidas no quintal, geralmente margaridas.
As tardes sentava em sua cadeira pra contar histórias da juventude, nem sempre lembrava do que tinha feito pela manhã, mas lembrava com detalhes de sua meninice. Dizia sempre pra gente guardar memórias afetivas, pois eram as únicas coisas que seriam nossas pra sempre. Assim era a casa de Joana da Costa minha avó que vive em mim como todas as avós vivem na gente pra todo o sempre.
Essa semana foi o comemorado o dia delas, mas não precisamos de dia festivo para lembrar das histórias, dos cheiros e sabores que elas proporcionaram em nossas infâncias. E nas voltas que o mundo dá, sou grata por ter tido a felicidade imensurável de ter convivido com mulher tão sábia cujos ensinamentos ainda permanecem vivos e carregar um dos nomes que ela escolheu pra mim. Obrigada avó.

quarta-feira, 24 de julho de 2024

Sem explicação


Esses dias recebi uma fotografia antiga, nela estava a família Costa reunida, grande, diversificada, rostos sorridentes, mesa farta essas coisas. Deu saudades. O Bernardo Soares (Pessoa), disse que "tudo que é sentimento é inexplicável". Quando a gente sente algo, não tem como mensurar para o entendimento do outro. Por isso, não há explicação. Me peguei pensando esses dias nessa frase tão forte quando vi a imagem de tempos passados. Lembrei dos cheiros das vozes da memórias afetivas dos pratos e foi como uma viagem no tempo. Esse tipo de sentimento é difícil de explicar.
Naquela imagem há pessoas que já partiram para outros mundos e deixaram lembranças, os jovens já não são tão jovens e as crianças? essas já são os jovens de hoje. A presença da ausência de tantos é uma constância sem fim e assim a gente vai criando outras memórias em outros lugares com outras vidas e que um dia vai ser só uma memória numa fotografia como essa. A parte legal de tudo isso? É saber que o afeto, as delicadezas dessas horas de descuido são marcadas com felicidade como algodão doce. E a vida é isso também momentos efêmeros que se tornam eternos nos laços afetivos criados vida a fora.
E nas voltas que o mundo dá, a gente entende que a vida não se economiza pra amanhã, que o abraço de agora pode ser o último. É preciso saber aproveitar cada pedacinho dessa deliciosa vida e colher o fruto do agora, hoje, mas sem esquecer de plantar novas árvores para colher novos frutos.

terça-feira, 9 de julho de 2024

Retalhos de afeto

Minha mãe era costureira, e com os retalhos que sobravam das costuras ela juntava e fazia uma combinação de cores de retalhos, num maravilhoso quebra cabeças e transformava em colchas de cama. Certo dia, uma senhorinha da minha rua que sempre vinha visitar meus meninos pequenos viu uma dessas colchas na cama do Pedro e pediu pra eu encomendar uma para seu neto que ia nascer. Minha mãe fez, ela presenteou o neto Luiz. Dona Luiza já desencarnou, recentemente a sua casa foi demolida e ninguém fala mais nela.
Esses dias na sala de aula, o Luiz me perguntou se eu conheci a dona Luzia, mãe de Daniela que morava na minha rua. Respondi que sim, ele perguntou se podia me abraçar e me contou a história da sua colcha de retalhos presenteada por sua amada avó, a colcha que tem uma memória afetiva muito importante na vida dele e que foi o melhor presente. Sua avó contou que quem havia costurado era a mãe da vizinha dela (no caso eu) que agora era sua professora. 
No caminho para casa fiquei a pensar também na minha única boneca de pano feita com retalhos por tia Aiá, como ela foi importante na minha infância! E embora não tenha fotografias, tenho suas feições guardadas na minha canstra de lembranças que as vezes me tira risos no meio de pensamentos distantes. Tenho ainda uma blusa de retalhos de ceda que mãe costurou, e quando faço arrumação não tenho coragem de desafazer dela, a combinação de cores e estampas é tão perfeita, e assim, ela vai ficando. Tenho lindos retalhos de lembranças de quando a roda da máquina virava direção de carro, de quantas vezes furei o dedo tentando costurar, ou mesmo colocando linha na agulha, das tardes costurando panos de pratos juntas e conversando sobre qualquer coisa.
Fiquei pensando então nas palavras do Gandhi quando afirmou: " Você nunca sabe que resultados virão da sua ação, mas se você não fizer nada, não existirão resultados".  Minha mãe costurou com esmero uma colcha que sabia que seria presente de uma avó para um neto e a fez com carinho, o resultado de suas ações que ocorreram a quase duas décadas, agora chega até mim como um abraço cheio de histórias afetivas de uma avó com um neto. E nas voltas que o mundo dá, os retalhos de costura bem arrumado juntado pedacinho por pedacinho se tornaram os retalhos de afeto que nunca serão levadas pelo tempo. E as ações de mãe chegaram a mim em forma de abraço de gratidão. E a pergunta que fica é: suas ações sempre voltam pra você ou pra alguém próximo, isso te assusta ou te conforta?