A agricultura teve início quando uma mulher ao jogar sementes "fora" descobriu a germinação. Assim, passou a domesticar as sementes e usar numa plantação. Cercou o primeiro pedaço de terra para os animais não comerem. Essa pequena ação deu ao ser humano a capacidade de cultivar seu alimento e sobrou tempo para desenvolver outras atividades como a arquitetura, as técnicas agrícolas, a matemática e todas as ciências que conhecemos.
Ao cultivar seu alimento, a mulher também passou a desenvolver receitas e a cozinha começou a se sofisticar. Mia Couto disse que "cozinhar é um ato de amor". Ah, Mia nem sempre. A cozinha é uma alquimia dos deuses ou será das deusas? É alimentando seu povo que a mulher cuida, garante a saúde, o prazer do sabor, mas também pode ser perverso. Eu fico com o amor de saborear os prazeres do paladar. Rubem Alves falou sobre o filme cidade dos anjos. Nele, um anjo experimenta um sorvete e descobre o sabor que os humanos desfruta e ficou emocionado.
Dia desses me perguntaram quem me ensinou a cozinhar e quem ficou com a interrogação fui eu. Quem? A resposta é simples todas as mulheres que vieram antes de mim. A cozinha de vó era ancestral, fogão de lenha, panelas de barro, pilão de pilar café, pano de coar café e outras peculiaridades. O cheiro daquela casa é só dela e hoje habita minha memória afetiva. A cozinha de mãe ao contrário possuía fogão a gás, geladeira, e essas coisas que temos hoje, mas nem por isso menos atrativa e cheirosa. As horas eu sabia sem olhar o relógio, mas pelo cheiro que brotava daquele ambiente fabuloso.
O café fresco logo cedo da manhã, o cheiro do alho refogando o arroz perto da hora do almoço, o cheiro de sopa quente nos dias frios quando a noite caía. Tudo muito mágico e saboroso, o bolo quentinho saindo do forno par o café da tarde. Em todas as receitas havia um conhecimento ancestral de outas mulheres que vieram antes das minhas mulheres e antes de mim. No começo não gostei muito de cozinhar, mas com o tempo fui descobrindo os prazeres da mesa, a alquimia de misturar legumes, sementes, raízes e transformar em pratos que agrada o paladar e muitas vezes causam um carnaval de sabores no céu da boca.
E nas voltas que o mundo dá, quem me ensinou a cozinhar foram todas as mulheres que vieram antes de mim, o acúmulo de conhecimentos, os livros de receitas amarelados com registros antigos, a soma de receitas de famílias que se uniram. E agora vou digitalizar os cadernos que a mim chegaram, o da sogra, o da vó de Paulo, o da minha mãe, o principalmente o de Aparecida (Nêm) minha irmã, responsável pelos melhores momentos de degustação da minha vida e dos que vieram depois de mim. Porque cozinha pode ser um ato de amor infinitamente memorável. Os aromas eternizam-se na memória e protagoniza um efeito quase alucinógeno de lembranças e momentos que não voltam mais.
Obrigada a todas as mulheres que vieram antes de mim!
Maravilhoso é degustar este seu texto, Aninha. A lida, as coisas e os aromas marcando o tempo. "E nas voltas que o mundo dá" cabe até poesia com essas memórias:
ResponderExcluirMamãe acordava a gente
cedinho, na madrugada
pra comer uma coalhada
e seu cafezinho quente.
Papai já ia na frente
e mamãe nos conduzia
o pão fresco que servia
quem trazia era o pãozeiro
eu ainda sinto o cheiro
do café que mãe fazia.
Aquele fogão à lenha,
gravetos que se colhia
trabalhava noite e dia,
titia me dava a senha
dizia: "Menino, venha",
o jantar tava servido.
Cuscuz e milho cozido,
pamonha e milho assado
e aquele café torrado
de um tempo não esquecido.